segunda-feira, outubro 29

As incertezas da avaliação

Por mais que me esforce por tornar os critérios transparentes, por descrever à partida as etapas e os requisitos da avaliação sumativa, não consigo evitar algum desconforto nessa tarefa de distribuir dozes e quinzes e dezanoves. Resumir todo o trabalho de um semestre a um número entre 10 e 20 é tão espartilhante que chega a ser doloroso. E é uma barreira que se ergue no relacionamento entre professores e alunos: saber que no final sou eu que vou "dar a nota" cria uma assimetria que condiciona todo o comportamento de parte a parte.

"Certo, professor, eu percebo que isso é importante, mas vai sair no teste?"

Não tenho solução para isto, a não ser o trabalho que faço para enfatizar mais a componente pedagógica da avaliação (avaliar para ensinar), para multiplicar os momentos e as formas de avaliação sumativa, para alinhar a avaliação com os objectivos de aprendizagem.

Os comentários feitos em torno de um livro recente, Developing Effective Assessment in Higher Education: A Practical Guide, vieram mostrar-me que não sou só eu a perceber a subjectividade da avaliação sumativa, particularmente aquela dirigida a capacidades de mais alto nível. Dois professores avaliam um grupo de estudantes de maneira diferente mesmo partindo de um programa idêntico e até usando o mesmo teste. Quando se reconhece, como faz um dos autores do livro, que a classificação final de um estudante pode depender tanto dos avaliadores como da sua competência académica, não nos sentimos todos com os pés de barro?

A solução, de acordo com os autores, passa por uma maior aproximação aos estudantes. Os professores devem tornar claros os padrões de avaliação, tornando-os mais transparentes, lógicos e objectivos, e trabalhar no sentido de serem os próprios estudantes a reconhecer a qualidade do respectivo trabalho. O profissionalismo passa, de facto, por ser capaz de reconhecer a qualidade de um trabalho (ou a falta dela), e esse treino deve começar desde os tempos da formação.

Um outro aspecto relacionado com este tem a ver com a classificação final de um curso ou de um ano. Dada como a média aritmética das classificações das disciplinas, ponderada eventualmente por coeficientes como o número de créditos, permite alinhar todos os diplomados ao longo de uma escala. Mas, ao fazê-lo, ignora o leque de aprendizagens que cada pessoa efectuou, e desvia a atenção do facto de que um 10 significa que um estudante tem os requisitos considerados necessários para passar o ano ou receber um dado diploma.

Por causa disto, o recém publicado relatório final da Comissão Burgess, no Reino Unido, propõe a substituição da "nota final" da licenciatura por um relatório no qual constem os pontos fortes e os pontos fracos do desempenho do estudante, assim como as competências por este possuídas, expressas por exemplo no âmbito de um Quadro de Qualificações apropriado. E é nesse sentido que teremos de caminhar: para um sistema que não reduza as pessoas a números mas que, sendo objectivo e justo, lhes permita valorizar aquilo que elas têm de bom.

domingo, outubro 28

Um caminho difícil...

Termina a semana dedicada ao tema Autonomia dos estabelecimentos de ensino, tema pertinente que o Tsiwari lançou.
Mas... aproveitar os contratos de autonomia antevê-se como um caminho difícil, o que não deixou de se sentir aqui no nosso Aragem ;) Se virá a ser percorrido com sucesso, isso depende de o ME o querer (ou consentir) de verdade, mas, acima de tudo, depende da vontade dos professores.

Mudemos então, por agora, para um passeio mais leve pela estrada larga que o Miguel já (re)abriu...
[Proponho que seja o Tsiwari a trazer também um tema levezinho e alegre. E com música, claro! :)]

domingo, outubro 21

A autonomia dos estabelecimentos de ensino


Para explorar melhor esta temática, propus-me fazer uma análise da documentação fornecida pelo IGE sobre contratos de autonomia e, para tal, recorri a uma ferramenta comum em Gestão – a análise SWOT.
SWOT é um acrónimo para Strenghts, Weaknesses, Opportunities e Threats. A análise SWOT identifica os Pontos Fortes (Strenghts), Vulnerabilidades (Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats - agora assumindo mais o Tempo e tentando traduzir o carácter dinâmico da análise).
Identificados alguns destes factores, eles constituirão meros referentes/indicadores e não certezas de actuação. Refiro ainda que os dois primeiros factores se prendem com os factores internos, que de alguma forma podemos influenciar/gerir, e os dois últimos são mais abrangentes, externos à instituição (e fora do nosso controle).

Elenco alguns, genéricos e potencialmente controversos. Esta análise, obviamente, tem um grau de subjectividade muito forte. Pontos que foram considerados fracos podem tornar-se, ao longo do tempo, pontos fortes e vice-versa, dependendo da importância atribuída a cada um deles e à forma como é conduzido o processo de gestão/liderança da Escola.

Pontos fortes:

 Maior potencial rapidez na (re)adaptação às mudanças
 Mobilização optimizada de recursos locais
 Melhor orientação para os resultados
 Maior flexibilidade na forma de Organizar e Gerir a Escola
 Maior liberdade (e criatividade) na concepção, no planeamento e no desenvolvimento de actividades
 Permite uma liderança mais real, no sentido em que há uma maior proximidade dos centros de decisão
 Promove uma auto-regulação (quer pedagógica quer financeira)

Pontos fracos:

 Resistências internas, já que a sua eficiência implica uma convergência de esforços da maior parte dos actores educativos
 Os documentos de suporte (Projecto Educativo, Projecto Curricular de Escola e Regulamento Interno) têm (como é suposto, aliás) que ser consistentes, coerentes, coesos e fiéis à realidade local, traduzindo e espelhando os contributos de todos os agentes educativos


Oportunidades:

 O Ministério da Educação entende como prioritária a sua implementação
 É sentida a sua necessidade por muitos agentes externos à escola e que com ela colaboram (autarquias, associações locais,...)

Ameaças/Timing:

 A situação económica pode ser desfavorável
 As políticas europeias de educação poderão limitar as opções a um nível mais local, ao impor objectivos, em termos de resultados, demasiado ambiciosos e, porventura, menos apropriados às necessidades locais



Onde colocar as intervenções da IGE, neste conjunto de factores? Serão positivas, promotoras dum encorajamento de actuações de qualidade ou negativas, ambíguas, disparatadas (no que toca aos indicadores utilizados, ao tempo que dispendem em cada análise de realidades locais)e castradoras?

Acreditamos nas reais potencialidades destes contratos de autonomia e assumimos o risco (não é isto que acarreta, também, a autonomia? O assumir de riscos?) de o contrair, envolvendo a comunidade educativa em todo este processo tentando potenciar as suas virtualidades e minimizar as suas vulnerabilidades?

Colocaremos (?) as palavras de Ranjard num passado distante (e não apenas por referir o leitor de cassetes, em vez do leitor de mp3, mas sim por vivenciarmos uma outra realidade) "Os professores têm muita autonomia para realizar o seu trabalho nas escolas: a mesma que tem um condutor, num terrível engarrafamento de trânsito, de pôr no leitor de cassetes do seu carro a música da sua preferência. "

Identificar-nos-emos com Bernard Shaw : “Some men see things as they are and say why - I dream things that never were and say why not." ?


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Nota 1 - Apesar de todo o cenário montado, do apregoar duma Autonomia que terá que ser conquistada por cada escola, não será intenção do min.edu autonomizar mesmo todas as escolas?
Nota 2 - Será este o caminho para o Barreiro, de que falava Adriano Correia de Oliveira?





Transição de tema...

Autonomia dos estabelecimentos de ensino

sábado, outubro 20

Para quem gosta de História

O livro Timor na 2ª. Guerra Mundial - O diário do Tenente Pires, de António Monteiro Cardoso foi apresentado ao público esta semana. O tema central é a ocupação Japonesa do território.
O livro contraria a tendência de seguir os arquivos de Salazar para contar a História relativa a este período.Recorrendo a fontes muito diversas, designadamente de origem australiana, o livro associa as perspectivas macro e micro, ao utilizar como fonte o diário do Tenente Pires que, quando é evacuado para a Austrália sente o imperativo de regressar a Timor e de resistir ao invasor brutal e sanguinário, junto com o povo Timorense e as tropas australianas enviadas para o território.
Um dia, em desespero de causa, o Tenente Pires escreve uma carta a Salazar pedindo que acuda aquele povo, mas o ditador entende e exige que os Oficiais portugueses têm de reconquistar dos japoneses os seus postos.
Sabe-se que o Tenente Pires terá morrido em Timor, às mãos dos ocupantes, entre Outubro de 43 e Fevereiro de 44.
Este livro conta uma versão diferente de um dos temas mais sacralizados da História contemporânea de Portugal: o da sua "neutralidade colaborante". E a história de um homem, militar, que não aceita ficar nas zonas de protecção e que resiste.Para a sua família, seria certamente reconfortante saber o que realmente lhe aconteceu.
Este livro foi publicado pelo Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa.

quarta-feira, outubro 17

De repente... não sei...


A dúvida da semana é se precisamos de uma nova Constituição: Assim, de repente... Não sei bem para quê mas, quem sabe, outros saberão (?)E depois: quem iria escrevê-la? Seriam recrutados os juristas do ME?!?

Intervalo?

Olhem que a lâmpada do Aragem continua acesa! ;)

sábado, outubro 13

O Corvo no centro do mundo

Estive ontem numa video-conferência com 4 participantes em simultâneo, a convite da Prof. Deolinda Estevão, da Escola Básica Integrada Mouzinho da Silveira (só abre no IE), na Ilha do Corvo, e sob a coordenação técnica do Prof. António dos Reis.

Foi uma oportunidade para experimentar a tecnologia Marratech, e para conhecer o excelente trabalho desenvolvido naquela minúscula ilha.

Da tecnologia ficou-me o alerta: funciona, mas é preciso ter muito tempo e paciência, o equipamento certo, e uma boa dose de experiência. Demorou um bocado até acertar todos os pormenores técnicos, e mesmo assim a conferência foi um pouco atribulada, com problemas no som e na imagem. Obviamente, quanto maior a barca, maior a tormenta, e com tantas coisas susceptíveis de correr mal, é até de espantar se tudo correr bem. Mas foi uma experiência a repetir, e uma tecnologia promissora para juntar várias pessoas simultaneamente. Um conselho: nestas andanças, usar sempre auscultadores com micro, senão a cacofonia dos sons de retorno é infernal...

Das experiências pedagógicas da Prof. Deolinda e colegas ficou-me a melhor das impressões. Contemplados com condições tecnológicas invejáveis para os padrões normais das escolas portuguesas (apesar de a largura de banda deixar a desejar), usam-nas de uma forma inteligente e atractiva para os alunos, e com excelentes resultados: um jornal online, blogues dos alunos, intercâmbio com escolas europeias. Experiências ricas, que de alguma forma ajudam a minorar o isolamento da ilha, de onde as crianças têm que sair após o 9º ano.

quinta-feira, outubro 11

Silêncio


Se quiseres ouvir, não ouças,
Se quiseres ver, não vejas,
Se quiseres falar não fales,
Se quiseres sentir, não sintas,
Suspende-te no vácuo
Enrola a corda do silêncio
às mãos e ao pescoço
Sua Excelência o Senhor Primeiro Ministro
e a sua comitiva
passam.

segunda-feira, outubro 8

Arejar ou Viajar?

Se julgam que é fácil pegar num tema ligeiro e discursar enganam-se redondamente! A Milu persegue-nos e diz que não; o big boss persegue-nos e diz que não. Uma filha está desempregada; a outra faz um estágio não remunerado, isto é, trabalha mas não arrota, e querem que fale de quê? Das flores do campo?
Este fim de semana eu e o meu parceiro pusemo-nos a fazer planos de viagens: uma rulote, sul de França, Grécia... só não verificámos os locais dos parques de campismo. Mas o itinerário estava todo lá, na cabeça. Fartámo-nos de conversar, mas, não sei porquê, fiquei com a sensação de que aqueles planos não passavam mesmo disso: planos.
É bom fazer planos, mesmo sem ter a certeza que os vamos cumprir, e viajar virtualmente é das coisas mais relaxantes para mim, que sou caseira por natureza.
Depois, viajar para quê? Para arejar ou para conhecermos outras gentes e outras terras? Ou para nos conhecermos a nós próprios? O que vale mais: uma viagem real ou uma virtual? Cá para mim, que sou caseira, já disse, estas coisas fazem-me um bocado de confusão, o que não invalida que eu e o meu parceiro continuemos a fazer planos de viagens, enquanto esperamos por emprego para as duas filhas. Remunerados, claro!
Tenham uma boa semana e comecem já a programar as vossas próximas viagens. Vão ver que o tempo passa mais depressa e até se riem, de vez em quando.

sábado, outubro 6

Transição...

A IC fechou com chave dourada ;) o breve período de partilha de experiências bem conseguidas de trabalho. Na reedição desta temática sugiro um olhar para as práticas educativas menos conseguidas, desaconselháveis(?), pelo potencial reformador que encerram.

Agora é tempo de espairecer. A Teresa Lopes irá pegar nas rédeas do blogue até ao próximo sábado (13 de Outubro), altura em que deixará (cf. agenda temática) a sua proposta de discussão.

Um bom fim de semana para todos.

PS: Irei procurar um template mais apelativo logo que se abra uma brecha de tempo

Na passagem para aragens mais ligeiras

O Miguel deve estar prestes a lançar a semana de conversas mais ligeiras, que também são salutares e particularmente precisas (de preferência com algum humor) neste momento em que uma ministra conseguiu instalar tantos pesos, preocupações e desencantos no estado de espírito dos professores.

Entretanto, a semana finda foi, aqui, de ‘aragens’ que trouxeram “evidências de práticas que podem fazer a diferença”, e muitas práticas aparentemente pequenas, mas enormes (como dizia o Tsiwari) ficaram na caixa de comentários ao post anterior, do JMA. Aí ficaram:
A relação próxima e empática que suscita a confiança, valoriza pequenos avanços e desdramatiza os erros; as apostas na capacidade de os alunos se superarem e o contentamento que o próprio professor sente ao constatar que conseguem; a criação de ambientes de aprendizagem da participação democrática, bem como de estímulo à pergunta e à colocação de dúvidas, incluindo estratégias simples mas eficazes para aprender a identificar e explicitar as mesmas; propostas promotoras do gosto pela escrita e até da revelação de pequenos talentos escondidos; responsabilização simultânea de alunos e pais, associada a modos, ao jeito pessoal de cada director de turma, de conseguir a colaboração dos encarregados de educação; iniciativas/projectos que remam contra a maré de expectativas negativas advindas de repetências e rótulos de insucesso, provando o poder das expectativas positivas aliadas a desafios que o professor se coloca para ultrapassar insucessos aparentemente inevitáveis.
Enfim... partilha de práticas que a todos enriquece... todos precisamos das experiências uns dos outros - todos precisamos uns dos outros.

E fica o projecto de vir a ser retomada essa partilha, talvez então de forma mais sistematizada, segundo as alíneas do “programa provisório” que o JMA enunciara
aqui.

terça-feira, outubro 2

Evidências de Práticas que Podem Fazer a Diferença

Transcrevo a opinião e o desafio da nossa confrade (IC)Isabel Campeão (sublinhados meus):

"(...) o tema deveria ser retomado depois, talvez subdividido, um aspecto de cada vez desse "programa provisório" que o José Matias traça. Continuo a pensar (como de certo modo já apelei em comentário no Aragem) que partilhas de práticas concretas não são modos de cada um 'exibir' o que faz, mas sim trocas de ideias/experiências, bem sucedidas ou até mal sucedidas, e é também na troca/partilha que o professor se forma e cresce. Enunciar é mais fácil, como pôr em prática o que se enuncia já não é tão evidente como parece, e eu perfilho a ideia de que a partilha e alguma discussão de práticas concretas é o mais enriquecedor na blogosfera para todos os que leiam (sem querer estar a fazer propaganda, o Tempo de Teia da 3za é, a meu ver, um bom exemplo dessa partilha espontânea e enriquecedora de nós todos). Mas, sim, acho que seria de aproveitar bem, no Aragem, este resto de semana do tema, e a semana é sua José Matias, permite-me o atrevimento de apelar (na minha qualidade de elemento do Aragem) a que "pique" para que o debate não esmoreça como já se está a sentir? (embora tenha suscitado muitas e pertinentes/importantes intervenções)"

Impossível ficar indiferente. Este pode ser, de facto, um caminho. Partilhar o que se faz e parece resultar (ou mesmo não resultar): Coisas simples, óbvias, que às vezes até nos inibimos de referir ou contar. Aproveitar o resto da semana para isso... (ou mesmo voltar depois, sistematizando as tais alíneas do "programa provisório").

Relato uma prática (que este ano não estou a seguir) mas que adoptei vários anos (e à qual poderei voltar). Cada aula (de Português) começa com a declamação de um poema escolhido à vez pelos alunos; o poema está também escrito numa folha e desejavelmente ilustrado. Depois de declamado é brevemente comentado e afixado no painel da sala. No final do ano, os alunos escolhem o poema de que mais gostaram/que foi mais bem dito. E o autor recebe uma lembrança. Treinar (e valorizar) a prática da memorização; mostar que a poesia é ritmo, música, jogo. Expressão e invenção.

Ou então uma outra que mantenho: cada turma tem um caderno. Cada aluno escreve um texto da sua autoria e lê na aula seguinte. O caderno passa de mão em mão. O professor recolhe o caderno de vez em quando e comenta - em regra valorizando e incentivando...- cada um dos textos. Há exemplos espantosos de mestria na produção de alguns textos. Uma forma de dar/ter voz no 'capítulo'...